Cameron Abadi (11/07/2007)
A especialista em terrorismo Louise Richardson fala sobre os recentes atentados frustrados a bomba no Reino Unido, discute as vantagens de se negociar com Bin Laden por meio de canais paralelos e fala a respeito do estrago que o termo "guerra contra o terror" causou sobre os interesses norte-americanos.
Spiegel Online - Os suspeitos presos na mais recente maquinação terrorista ocorrida na Grã-Bretanha são, em quantidade desproporcional, médicos. Existe uma conexão entre a profissão médica e o terrorismo?
Richardson - Ficamos muito surpresos quando o terrorista é um médico - alguém dedicado a cuidar das pessoas ao invés de matá-las. Parece algo incongruente. É por isso que acredito ser mais provável que isso não passe de uma boa história-cobertura. Existem cerca de 240 mil médicos registrados no Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês) no Reino Unido, dos quais 90 mil nasceram no exterior. É na verdade muito fácil para um médico nascido no estrangeiro praticar a profissão no Reino Unido.
Spiegel Online - É plausível que esses médicos possam ter se tornado radicais após tratarem pacientes do Oriente Médio que foram vítimas da guerra contra o terror?
Richardson - Bem, nunca vimos em nenhum outro lugar médicos se tornarem radicais devido à experiência de tratar pacientes. O mais comum é que líderes terroristas procurem recrutar seguidores de alto nível educacional porque estes indivíduos contam com mais habilidade e preparo.
Spiegel Online - A educação é um fator que facilita a ascensão hierárquica em uma organização terrorista?
Richardson - Os recrutas que seguem para o Iraque e os residentes da Caxemira que ingressam em grupos terrorista naquela região costumam vir das classes mais pobres. Os líderes são quase sempre mais educados do que os seus seguidores. É preciso formação para se ter sucesso em qualquer organização complexa. E se você observar os grupos ativos na Europa, perceberá que os seus integrantes precisam ter familiaridade com a Internet e computadores.
Mas estamos presenciando uma incidência crescente de terroristas com alto nível educacional. Os exemplos clássicos são os seqüestradores de 11 de setembro de 2001. Os líderes daquela operação tinham elevado nível de escolaridade.
Spiegel Online - Deveríamos nos preocupar com o fato de os suspeitos no Reino Unido serem médicos?
Richardson - O aspecto realmente preocupante disto tudo é o acesso a materiais radiológicos - sem dúvida os hospitais estão entre os lugares nos quais é possível contar com acesso a esse tipo de material. Nesse sentido, médicos poderiam ser particularmente úteis, caso houvesse planos para a construção de um artefato radiológico.
Spiegel Online - Presume-se que o histórico dos suspeitos tenha sido examinado antes que eles fossem contratados pelo NHS. É possível que essas pessoas tenham se tornado radicais no curto período após a chegada à Grã-Bretanha?
Richardson - Nós não sabemos se eles vieram para o Reino Unido como uma "célula adormecida", tendo este plano em mente, ou se tornaram radicais após a chegada. Parece haver algumas indicações de que eles viraram radicais devido à guerra no Iraque, e isso significaria um processo de um ano de duração... Mas se você observar a reação dos parentes dos suspeitos a estes recentes ataques no Reino Unido e àqueles de 7 de julho de 2005, perceberá que os familiares parecem ter ficado chocados ao descobrirem que membros da família estavam envolvidos. E isso é esclarecedor.
Spiegel Online - E quanto aos casos de "Jihadismo Instantâneo" - conversões súbitas e dramáticas ao islamismo radical, como no caso da mulher belga que desfechou um ataque suicida no Iraque em 2005?
Richardson - Infelizmente, a violência no Iraque se expandiu mais rapidamente do que a capacidade de os cientistas sociais acompanharem a velocidade do fenômeno. Portanto, é muito difícil tirar conclusões reais a partir do Iraque. Em áreas nas quais contamos com boas informações, os líderes de grupos que ativam agentes operacionais suicidas são todos totalmente consistentes, o que expressa a visão de que não estamos interessados em pessoas que lutam com seus demônios pessoais. Eles não querem pessoas que sejam instáveis - tais indivíduos apresentam maior tendência a agir de forma negligente ou a revelar planos. "Jihadistas instantâneos" não seriam muito atraentes para as organizações terroristas.
Spiegel Online - Como você explica o raciocínio por detrás dos ataques suicidas?
Richardson - Da mesma forma que as pessoas explicam o fato de soldados terem saltado de dentro de fossos no Vietnã e de combatentes terem perdido a vida na Batalha de Somme - existe um sentimento intenso de solidariedade grupal em organizações terroristas. Acreditamos com freqüência que os ataques suicidas à bomba são atos solitários. Isso quase nunca é verdade. Esses ataques são quase sempre realizados por grupos altamente coordenados envolvendo de oito a dez pessoas. Os grupos terroristas criam conscientemente aquela sensação de um destino compartilhado, da mesma forma que as forças militares nacionais.
Os terroristas são também motivados pelos "três Rs": "revenge, renown and reaction" (vingança, renome e reação). Eles querem vingança pelas
injustiças, e desejam fama e glória. Os ataques suicidas tornam-se uma opção atraente para pessoas oprimidas e decepcionadas que desejam obter o respeito dos seus companheiros e das suas sociedades.
Spiegel Online - Então o ataque suicida fracassado na Grã-Bretanha foi uma experiência humilhante para os terroristas envolvidos?
Richardson - Sem dúvida. É humilhante sair vivo de um ataque suicida. É interessante que no caso de um ataque fracassado os grupos terroristas procuram mitigar a humilhação destruindo as declarações feitas pelos suicidas em vídeo, antes que estas sejam vistas pelo público.
Spiegel Online - Se a vingança é uma das motivações para os ataques terroristas, como os governos podem avaliar a legitimidade do descontentamento dos terroristas?
Richardson - Uma tática muito eficaz é levar em consideração o que o seu inimigo está pensando. Conforme descobrimos, se você não procurar entender os terroristas, poderá acabar fazendo o jogo deles. Uma resposta puramente militar pode exacerbar a sensação de injustiça que motiva os ataques terroristas. É inacreditável, mas o orçamento dos Estados Unidos para a diplomacia equivale a apenas 0,6% do orçamento militar - anda que a diplomacia possa ser uma forma eficaz de combater a impressão de que os Estados Unidos são uma potência imperialista.
Spiegel Online - Você mencionou a possibilidade de estabelecer conversações com grupos como a Al Qaeda? Como se estabeleceriam tais conversações?
Richardson - Bem, não estou sugerindo que o presidente Bush sente-se à mesa de negociações com Osama Bin Laden. Tais conversações se dariam de maneira informal, por meio de canais paralelos. Esse tipo de iniciativa por parte do governo britânico foi fundamental para a solução do conflito na Irlanda do Norte. E é algo que nitidamente não ocorre nos Estados Unidos neste momento.
As conversações não precisariam ser negociações. Às vezes a diplomacia diz respeito apenas a sentir o clima que prevalece no outro lado, a descobrir o que o antagonista realmente deseja. Se pudéssemos descobrir fissuras dentro da organização da Al Qaeda, poderíamos jogar com grupos adversários para obter benefícios, isolando os elementos mais radicais. Algumas pessoas dizem que estabelecer conversações com grupos terroristas daria a eles uma legitimidade demasiada. Mas, a meu ver, declarar guerra contra um grupo terrorista é de fato a forma mais efetiva de conferir legitimidade a ele.
Spiegel Online - Em 2004, Osama Bin Laden divulgou um vídeo dirigido à União Européia, no qual ofereceu uma trégua à Europa em troca da retirada das tropas européias do Oriente Médio. A União Européia declinou a oferta. Como você acha que a instituição deveria ter respondido?
Richardson - A Europa tomou a decisão correta. Em última instância, cabe ao Estado decidir como os seus interesses estratégicos se situam em relação à sensação de descontentamento de outras partes. Naquele vídeo, Bin Laden deixou de lado as armas automáticas e apareceu sentado atrás de uma mesa. Ele queria aparecer como um estadista, como um representante legítimo do seu grupo.
Spiegel Online - Temos ouvido muita coisa a respeito do temperamento estóico dos britânicos frente ao terrorismo - implicitamente contrastante, presumivelmente, com a reação histérica dos norte-americanos após os atentados terroristas. Até que ponto ficar calmo se constitui em uma parte importante da luta contra o terrorismo?
Richardson - A imparcialidade sem dúvida faz parte de qualquer resposta efetiva ao terrorismo. Lembre-se, os terroristas estão tentando provocar uma reação. Os britânicos desenvolveram essa imparcialidade em parte porque contam com um histórico de ter que lidar com o terrorismo do IRA. Os líderes políticos desempenham um grande papel na hora de formular uma resposta. E a liderança nos Estados Unidos é catastrófica no que diz respeito a isso. O termo "guerra contra o terror", cunhado pelo governo Bush, tem prejudicado mais do que tudo os interesses norte-americanos.
Spiegel Online - O Partido Democrata fez o suficiente para resistir ao governo Bush?
Richardson - Infelizmente, não. Talvez o país não tenha se recuperado da histeria encorajada pelo governo Bush. Há apenas algumas semanas, John
Edwards, um dos possíveis candidatos democratas à disputa presidencial,
sugeriu que o termo "guerra contra o terror" deveria ser abandonado - e, por isso, ele foi bastante criticado. Espero que os democratas sejam capazes de avançar mais rumo a uma efetiva política anti-terrorista antes da próxima eleição.
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Sobre Louise Richardson
Louise Richardson é professora adjunta de questões governamentais na Universidade Harvard, reitora executiva do Instituto Radcliffe de Estudos Avançados e uma das mais renomadas especialistas em estudos sobre terrorismo. O seu livro, "What Terrorists ant" ("O Que os Terroristas Querem") traz tanto uma análise convincente das causas do terrorismo quanto uma crítica feroz à resposta do governo Bush aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. O livro está disponível em inglês (Random House, nos Estados Unidos, e John Murray, no Reino Unido), em alemão (Campus Verlag) e em várias outras línguas.
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